A conquista de maior protagonismo das mulheres no mercado de trabalho é um processo em contínuo andamento, e reflexo de grandes esforços históricos ligados à luta por direitos comuns e situações de igualdade em relação aos homens. Embora seja objeto de constante discussão e revisão - sobretudo quando se leva em conta o fato de que o espectro de gênero não deve assumir a dualidade homem e mulher para uma compreensão coerente e complexa do quadro de disparidades -, a relação entre os tipos de ocupação, rentabilidade no trabalho e o gênero segue, de forma geral, apontando condições desfavoráveis às mulheres.
É evidente que tal situação de desigualdade é um produto direto da estrutura patriarcal mais ampla e historicamente sexista que, por sua vez, se entranha nos argumentos a respeito das aptidões e capacidades de trabalho das mulheres em relação aos homens. Em alguns campos de trabalho esse discurso se reproduz e assimila com tamanha naturalidade, que se torna raridade encontrar mulheres ocupando determinados postos de serviço de forma ordinária. Talvez o caso mais categórico nesse sentido seja o da indústria da construção civil e, mais especificamente, o da mão de obra operacional no canteiro.
A boa notícia é que tem quem descruze os braços e literalmente arregace as mangas para reverter esta situação. Algumas iniciativas de inserção e capacitação específica para mulheres nas tarefas de obra articulam profissionais que se dedicam à formação desse grupo para serviços tipicamente desempenhados por homens, e cada fez mais figuram nesse ambiente pedreiras, encarregadas, armadoras, carpinteiras, pintoras, ladrilheiras, ou simplesmente, mulheres autônomas em sua relação com o universo de trabalho da obra.
Pensando no trabalho como forma de proteção e resistência a situações de vulnerabilidade e violência doméstica, a organização Mulher em construção desenvolve e oferece cursos no âmbito da construção civil a mulheres que se encontram nesse tipo de cenário. A partir de um projeto piloto implantado na cidade de Canoas no Rio Grande do Sul, a iniciativa surgiu em 2006 e, desde então, atendeu diretamente cerca de 5 mil mulheres. As atividades desenvolvidas pela ONG contemplam desde questões práticas, como leitura e interpretação de desenhos técnicos de obra, até pautas mais amplas como o pensamento crítico a respeito de gênero e o empoderamento.
Um pioneiro do país nesse tipo de iniciativa é o Projeto mão na massa, idealizado pela engenheira civil Deise Gravina e que teve, a partir de 2007, sua implementação realizada pelo Abrigo Maria Imaculada e patrocinada pela Petrobras. Em 2018 o projeto inaugurou sua 15a edição somando um total de 1200 mulheres formadas. A previsão é que em 2020 sejam formadas mais 240 profissionais capacitadas para entrar no mercado de trabalho. O "Mão na massa" oferece cursos de pedreira, pintora, carpinteira de formas e eletricista com duração de seis meses, com aulas teóricas - cujo escopo vai desde lições de português e matemática, saúde e cidadania, até aulas objetivas de etiqueta de trabalho - e atividades práticas.
Desdobramento da tese de mestrado da arquiteta Carina Guedes, o projeto Arquitetura na Periferia oferece capacitação em assistência técnica desde 2014 para um público específico: mulheres em situação de déficit habitacional ou em contextos precários em infraestrutura, como áreas periféricas e ocupações. O projeto atua em parceira constante com movimentos de moradia e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), oferecendo oficinas que vão desde noções básicas de desenho, até educação financeira básica, matemática e logística de compra de materiais de obra.
Estes são alguns exemplos notáveis de tomada de atitude e articulação de trabalho para promover uma situação mais favorável às mulheres no mercado, que valorizam a força e capacidade de um grupo mantido à margem da cadeia produtiva esmagadoramente masculina da construção civil e contribuem com a expectativa de conquistas autônomas a cada dia. É por esse tipo de caminho se pode construir uma perspectiva à altura da celebração do dia internacional da mulher, com protagonismo e reconhecimento.